Diz-se que à terceira é de vez, e foi a vez de outros protagonistas entrarem em cena, quando se discute a Cultura no Jornalismo e o Jornalismo Cultural, o humanismo essencial, indispensável até, ao modernismo falhado ao conhecimento, como princípio fundamentais para uma profissão que precisa de novos territórios de exercício… e no final tudo a LITERATAS virou um caso de estudo.
O Camões – Centro Cultural Português voltou a preencher-se de gente que ao contrário do que se diz, leva à sério uma profissão que está vaticinada à crise de conhecimento de quem a exerce, ou o desinteresse de quem condiciona o seu exercício através dos órgãos de informação ou a algum desinteresse causado pelas leis do mercado ou ainda, lá está, alguma forma estranha de se colocar o passado à frente do futuro. É o terceiro Seminário de Jornalismo Cultural que a SóArte Média realiza.
Um seminário que começou por unir, finalmente, as palavras “capital” e “cultura” ou ainda o “capital” e o “jornalista”, tais expressões que raramente se encontram na profissão em que se diz na gíria, que quem a exerce está condenado à triste morte feliz, pobre e desgraçada e ainda, condenado a recordações esporádicas, mediante os interesses dos grupos a que supostamente favoreceu ou prejudicou. Na verdade, o jornalista, um dia é amigo, noutro inimigo, porém sempre necessário e por isso se justifica eventos desta natureza, a reflexão a sério sobre uma profissão que tem que está em constante pressão dos tempos.
À hora combinada, 15 horas, o Camões já se tinha composto por um público multifacetado, desde estudantes das áreas de comunicação e jornalismo em específico, artistas, gestores culturais e académicos. O atraso de pouco mais de meia hora proporcionou um ambiente de troca de impressões entre conhecidos. E finalmente estavam sentados à mesa os oradores Celestino Joanguete (professor de jornalismo e com especialidade nas novas tecnologias de informação e comunicação),Teresa Nicolau, jornalista de Cultura da RTP, António Cabrita, jornalista e crítico de arte e Matilde Muocha, historiadora, quem moderou a mesa que pretendia discutir ‘O Capital Cultural do Editor e a qualidade de agendamento de conteúdos.
O comunicólogo Celestino Joanguete, que fez uma abordagem baseada na sua especialidade, as novas tecnologias de informação e comunicação, alertou para um novo fenómeno, sobretudo, no contexto da democratização do acesso à informação que nos remete a internet. O leitor, agora, tem poder, pode decidir o que ler e como ler, sobretudo no webjornalismo. Diante desse cenário, o académico defende um novo conceito para os órgãos de informação: a co-criação. Aí o editor, que perde o seu protagonismo enquanto quem determina o produto final, tem a “ajuda” do público para definir o que este quer consumir e assim organizar os conteúdos e contornar a crise de audiência ou de leitura de jornais, tal como se regista no país. A internet oferece várias possibilidades de o público informar-se o que descarta a necessidade deste prender-se a um órgão.
Esse espaço que ao mesmo tempo oferece oportunidades pode dar lugar ao caos, as fake news. A jornalista da RTP, Teresa Nicolau, não descartando essa realidade, é de opinião que “só há a notícia falsa”, como se pode interpretar o termo inglês fake news, quando “não há jornalismo”. O trabalho jornalístico, defende a editora de cultura do canal público português, baseia-se por princípios claros e, referindo-se à si mesma, o humanismo é a primeira condição. Não se pode pensar jornalismo sem este princípio, assim como é necessário fazer o diferente para não só atrair as pessoas, assim como mantê-las fieis não só ao órgão em específico, como ao trabalho jornalístico. “Se fizermos igual aos outros ninguém nos vai querer ler”, disse.
E como que justificando o tema para o qual foi chamada ao painel de debate, Teresa Nicolau saiu em defesa do jornalismo cultural que entende ser “necessário” e “essencial” em todo mundo. Sendo que, o editor “nunca pára de se formar e de se informar”. E quanto à falta de espaço em detrimento de outras agendas determinadas pela política e interesses comerciais, como constatou e bem o primeiro interveniente, resumiu os desafios em uma frase que até é famosa entre os moçambicanos: a luta continua.
Num debate que a palavra internet e novas formas e modelos de informação provocados pelo professor Celestino Joanguete, que é também parte da resposta à fuga de leitores aos jornais, António Cabrita, que tem passagem pelo Jornal de Letras e Expresso, ambos portugueses, posicionou-se a favor de um jornalismo “à moda antiga”, onde o trabalho apurado e a qualidade do jornalista não são dispensáveis em detrimento dos interesses externos, isto é, do leitor.
E, por isso, acredita no papel do editor, sendo que, tem como pré-requisito que este seja “honesto, ter um trabalho crítico que pode credibilizar as suas escolhas”. Esta afirmação foi combinada ao exemplo de um editor literário – o que também é António Cabrita – em que entre vários autores tem de decidir a quem publicar, o que poderá permitir, por um lado, o lançamento de um autor ou o silenciamento de outro. Vai daí Cabrita, chegar à conclusão de Teresa Nicolau e voltou-se ao humanismo. O editor tem que ter “valores humanistas para saber que as nossas escolhas não são um campo de injustiça”. E, como se fizesse um olhar ao cenário que é traçado sobre a imprensa nacional, Cabrita disse ainda que o editor tem que ter capacidade de fazer discernimento em relação às agendas culturais.
O que disse, o que foi dito e o que faria (ou diria) Filimone Meigos? A revista LITERATAS para princípio de conversa
À seguir, “A produção de conteúdos dos média locais e a saúde do jornalismo cultural em Moçambique” juntou ao debate Filimone Meigos, director-geral do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC), o director da Escola de Comunicação e Artes, João Miguel e ainda o docente desta instituição Sérgio Bacar que é também produtor de conteúdos na televisão privada STV. E para início de conversa, uma revista de artes e letras há mais de sete anos publicada no país, a LITERATAS.
O director-geral do ISArC, primeiro a intervir na mesa moderada pelo comunicólogo Circle Langa, usou o artigo em que é fonte e publicado na revista LITERATAS, onde falou sobre o ensino das artes no país e com referências aos currículos desenhados para a formação nessa área, referindo-se, como exemplo, a instituição que dirige. Filimone Meigos que se colocou na posição de jornalista sobre o que o próprio afirmou, dando como mote para conduzir a sua reflexão as questões “o que é que eu disse? O que foi dito? E como eu faria”, recolocou as suas afirmações, entre a aceitação de algumas e a negação de outras, deixando clara a ideia de ter se lhe atribuídas expressões ou afirmações no artigo que não foram por si pronunciados. Assim, procurava o sociólogo que fez questão de recordar os seus tempos de jornalista e editor, como aliás chegou a afirmar, desmentir as suas afirmações e ridicularizar o trabalho jornalístico sobre o artigo e ainda usá-lo como exemplo da má qualidade do jornalismo cultural feito em Moçambique – ou pela revista em alusão.
O sociólogo entende que para além das palavras que proferiu na palestra realizada há semanas no Núcleo d’Arte, sendo algumas delas merecedoras de destaque no referido texto que leu na sua apresentação, o jornalista devia consultá-lo. Contudo, repetiu a afirmação que dá título o texto, “nenhuma escola forma artistas”, para defender que o jornalista cultural tem que formar-se para compreender as exigências da sua profissão.
Ademais, Filimone Meigos iniciou a sua intervenção rebuscando a ideia do humanismo de que necessita o jornalismo para afirmar que a “modernidade falhou”. “Há uma relação entre o global e o local. Há uma relação de subalternidades, portanto há uns discursos hegemónicos que se propõem. E há quem fala de choques de culturas. Porque é que as culturas tem que ser chocadas se as culturas são equivalentes ou pelo menos covalentes. Não há cultura mais ou cultura menos.”
Enquanto isso, João Miguel, director da ECA-UEM, baseou a sua intervenção em factos que vem do seu trabalho de pesquisa sobre a cobertura dos órgãos de informação dos assuntos culturais, numa análise que fez questão de informar que é preliminar, feita aos diários O País, Notícias e Diário de Moçambique e ainda aos semanários Domingo, Magazine Independente e Savana.
Antes, João Miguel explicou que o conceito de jornalismo cultural nasce da burguesia e do contexto das cidades, o que suscitou o interesse do público que comentou ser frequente que os órgãos de informação nacionais cinjam a sua cobertura jornalística cultural apenas à cidade de Maputo. Contudo, o director da ECA-UEM foi mais longe ao concluir que as coberturas no interesse do jornalismo cultural é baseado nos eventos de grandes marcas comerciais ou agendas políticas, dando como exemplo expressivo ainda do Festival Nacional da Cultura.
Mas o pior reside no cenário que traça o académico. É que os jornais, de uma forma geral, em 2018 várias foram as vezes que não se incomodaram em sair ao público sem um assunto cultural, foram 122 vezes, pelo menos, registadas em todos os órgãos, sendo que o jornal Notícias nunca faltou ao seu compromisso com a página cultural – denominada Recreio e Divulgação – enquanto o Canal de Moçambique foi o que menos se preocupou com a cultura no que diz respeito à cobertura jornalística.
E diante do cenário “inquietador” em que passam os meios de comunicação nacional da falta ou escassez de conteúdos culturais locais, sendo o exemplo escolhido pelo docente da ECA-UEM, Sérgio Bacar, a telenovela que ocupa horários nobres das televisões, serem de fabrico brasileiro e mexicano na sua maioria. Bacar "sonha” em colocar um conteúdo local à breve trecho – nos próximos dez anos, pelo menos – para contrapor a hegemonia estrangeira.
A título de exemplo de um caminho que Bacar reconhece ser “difícil” diante das facilidades em que um produto importado dá aos patrões das empresas televisivas e que até merecem patrocínio de grandes corporações, iniciou um processo de produção de uma novela moçambicana numa parceria entre a ECA-UEM e a STV. No seu entender, todos esses factores, contribuem para formação cultural de toda uma sociedade, em que se incluem os jornalistas.
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